Caros Amigos,
Passada uma semana sobre o fim da prova, já descansado (que isto da idade não perdoa duas canseiras tão próximas uma da outra), “melhorzinho” da constipação que se seguiu e, principalmente, com a distância que o Hélder tão bem caracterizou, aqui vão algumas reflexões sobre o Costa Brava.
Primeiro, as partes boas:
No papel, o rali é, de acordo com os meus critérios, excelente ou quase. Vejamos: ambiente em Lloret e em muitas das terras por onde passamos; participantes, desde os “famosos” (quem, dos que gostam da história dos ralis dos anos 60, 70 e 80, não acha piada a estar a participar numa prova junto ao Cañellas, ao Servia, ao Oliveras, ao Zanini, ao Clarr, mesmo que alguns sejam “mal encarados” e não gostaria de ter o “equivalente” nacional na Portugal Histórico ou na Volta) até aos carros (Stratos ex-fábrica, 131 idem, ex-Bachelli, 2 037, um ex-Allen, etc.); estradas magníficas, com muitos troços em que há que dar à roda e aos pedais para cumprir, principalmente se não queremos sair da mão e cortar curvas; público, aos milhares e com um entusiasmo dificilmente explicável no papel, talvez o filme que fizemos consiga descrever (julgo que o esforço que fizemos, e de que algumas das fotografias e vídeos dos 3 BMW Eurorentlei que estão disponíveis na net dão nota, ajudarão a que esse interesse se mantenha nos próximos anos); ritmo muito interessante, sempre a andar e depressinha; prova dura, com algumas estradas em mau estado (quanto baste, também não vale a pena estarmos a chorar que eram muito más, mesmo o troço de terra não fazia assim tanto mal, desde que houvesse cuidado na abordagem às regueiras) com muitos quilómetros, muita noite; relativamente bem organizado ao nível dos pontos de assistência e da indicação das bombas de gasolina abertas.
Bom road book (até a uma célebre figura do final da 2ª etapa!) e carta de controlo muito simples.
Nestes aspectos nada a dizer e posso afirmar que, mesmo incluindo o Portugal Histórico, esta é a melhor prova “à espanhola” que conheço. E, este ano, não tivemos neve e apenas muito pouco gelo.
Dir-me-ão que estou a exagerar, até porque também estou a incluir o Monte Carlo nesta categoria. Não me parece, considerando as estradas e o ritmo do Costa Brava. Neste aspecto, apenas acho que falharam este ano ao não incluírem uma paragem, fora das assistências, tipo meia hora em cada uma das duas primeiras etapas. Não era preciso tempo para jantar, que corta o ritmo, apenas a possibilidade de fazer um chi-chi, tomar um café, comer qualquer coisa simples e desentorpecer as pernas.
Só que, e este “só que” é grande, existem as partes más:
A opinião dos concorrentes não conta. Nós e muitos espanhóis chamámos a atenção para médias que eram anormais e a resposta não foi satisfatória. “Que as estradas eram boas, que não havia problemas, e por isso a andar”. Nem as estradas eram boas, principalmente no caso em que era necessário fazer média de 120Km/h, nem a legislação espanhola, ao contrário da nossa, contempla médias superiores a 50Km/h. Portanto, para além de criar perigo, a organização infringiu as próprias regras a que tem de se sujeitar. Nas ligações, nos troços com tabelas da organização, em que, pelo menos uma vez utilizaram os 70Km/h (ainda que em condições perfeitamente fáceis de cumprir). Também, numa estrada com inúmeras placas de velocidade máxima 30, colocar a média a 50Km/h era um convite à infracção, num enquadramento de forte vigilância policial em que decorreu a prova. Diria que até gostei, o que não impede a crítica.
E, isto, sem necessidade nenhuma, já que existem estradas e condições em que não era necessário fazer estes atropelos à lei.
A actuação/perseguição da polícia pareceu-me de facto um exagero, sem deixar de considerar que, por alguns exemplos que vimos, alguma vigilância é necessária. Dispensável (e deplorável) é ser a polícia a “picar” os concorrentes, para depois os “filar”, como aconteceu ao Van Peer/Lambert. Não me parece que, com esta atitude, tenham feito clientes entre os belgas.
A terceira crítica, e a mais importante (ao nível da concepção) porque define a parte desportiva da prova, vai para os controlos. Em primeiro lugar pelo seu pequeno número e pela sua colocação. De facto, estas provas “à espanhola”, com os seus grandes troços, necessitam de um número elevado de controlos, para “apanhar” os concorrentes que se adiantam nas partes simples e para ver que se despacha nas difíceis. O que não pode acontecer com um ou dois controlos em vinte e trinta quilómetros. Continuo a pensar que, em provas organizadas por entidades comerciais, o dinheiro dos concorrentes e dos patrocinadores não pode ser poupado na contratação de controladores, quando as organizações não consigam recrutar voluntários.
Este problema de concepção traduziu-se, para além de retirar alguma verdade nos troços difíceis, no que se passou na terceira etapa, com erros que prejudicaram muita gente e que, principalmente, não podem acontecer numa prova que se quer séria.
Vamos então agora falar dos vários erros de realização da prova.
Por questões que penso terem a ver com patrocínios turísticos, os dois primeiros troços e as respectivas ligações eram disputados junto ao mar com atravessamento de bastantes povoações nas ligações. Tudo isto numa sexta-feira à tarde, com o pessoal a ir às compras, etc., etc. Com os tempos dados para as ligações, isto tornou-se num convite à asneira. Semáforos, ultrapassagens, velocidade, enfim, o catálogo das doenças. Felizmente, o tráfego, pelo menos no nosso caso não criou problemas no primeiro troço que eu considero uma maravilha para a condução (sempre dentro da mão a 50Km/h ou a fundo com estrada fechada). No segundo, onde já muita gente entrou mal, ficámos (nós e muitos mais) sujeitos à asneira de concorrentes com números mais baixos. Pela simples razão que o troço tinha uma mudança de média logo ao princípio (de 30Km/h para 50Km/h) e houve pessoal que achou por bem manter. Isto tudo com carros da polícia no meio e a maior parte do tempo com traço contínuo. Até a “bófia” ia nervosa!
Para ajudar, havia obras e a prova foi interrompida. Só que, os senhores que estavam a fazer a comunicação da interrupção e a indicar o caminho alternativo ou não sabiam explicar ou não sabiam o que estavam a fazer e a explicação deixou-nos ao Deus dará. Uns mais outros menos. Nós fomos dos que demos com a coisa sem grande perda de tempo e entrámos na terceira prova no nosso segundo, sem fazer barbaridades no trânsito. E houve quem ainda chegasse com mais tempo. Foi aqui que o Zé Grosso e o Van Peer provaram a “simpatia” dos Mosos de Esquadra.
Nestes dois troços foi aplicada, pela primeira vez, uma regra que não fazia parte do regulamento. Por causa das “tosses” passo a transcrever os dois pontos do regulamento que foram, na minha opinião, mal utilizados: 6.3.5 si en un mismo control horário penalizan por retraso un 20% de los equipos, dicho control será automaticamente anulado; 7.4 si por causas ajenas al rally un tramo no puede ser disputado por vários equipos, se podrán adjudicar los 9 mejores tiempos y al resto de los equipos adjudicarles lo 10º tiempo. De notar que os controlos horários a que se deveria aplicar o ponto 6.3.5 eram os controlos montados à saída das assistências e os de chegada de etapa, onde aliás se podia entrar por avanço. Isto é, nos troços de regularidade dever-se-ia aplicar o ponto 7.4, com tudo o que a sua redacção, por imprecisa, implica.
No caso do troço 2 houve quatro concorrentes que fizeram menos de 4 pontos e foram-lhes atribuídos as pontuações correspondentes. Pois o resto foi tudo corrido a 4. Como não se aplica o 6.3.5 e, se este artigo fosse aplicado, implicava a anulação do troço, e o 7.4 não se aplica porque os concorrentes fizeram todos o percurso, não haveria razão para esta atribuição que, de qualquer, forma, a aplicar-se devia ser em relação aos nove primeiros e não aos quatro primeiros. Penso que com os problemas que existiram com os concorrentes a partir do número 23 (o primeiro a segurara a média de 30) o mais sensato era a anulação do troço.
O caso do troço 3 é ainda mais “curioso” já que aqui seguiram um novo critério que foi o de atribuir 15 pontos a partir de 42 concorrentes que fizeram menos que esses 15 segundos. Não é compreensível o critério. Dado que a maioria dos atrasos à partida, com as consequências no único controlo montado, teve única e exclusivamente a ver com um erro da organização, na minha opinião só podia haver uma solução e que era a de anular pura e simplesmente o troço. Aqui não deveria ter havido sequer dúvidas.
Passamos agora ao troço 21. Aqui a “porca torce mesmo o rabo”, já que é o único sítio onde vejo que houve favorecimento de, pelo menos, um concorrente local. Estamos a falar de um troço realmente difícil a partir de certa altura que coincidia com uma figura que levantava dúvidas. Indo com calma, até porque aí a média era de 30Km/h, e abordando o desenho com “olhos de ver” não me parece que pudessem existir dúvidas, mas admito que não era fácil. Pois neste troço e nesse local, o 27 e o 25, por esta ordem, apareceram atrás de nós, vindos da estrada errada. Porque sou “totó” e acredito no Pai Natal parei duas vezes para que suas excelências passassem. Á primeira acharam que era estreito de mais! Com isto tudo não me apercebi que a Marta me tinha dito que a média tinha passado para 50Km/h. E assim, apesar de pensar que recuperar uma média de 30Km/h era fácil e não valia a pena ir a correr atrás dos dois senhores, comecei a aperceber-me que estava cada vez mais longe do objectivo “atraso zero”. Ia acelerando cada vez um pouco mais e nada. Até que perguntei à Marta quando é que mudava para os 50Km/h. Aí, a Marta que já ia desconfiada da minha calma, lá me disse “que já tinha sido há um bocado”. Lá estávamos com mais de 400 metros de atraso. Corda aos sapatos e lá fomos recuperando lentamente, que a coisa não era fácil, e passámos ao controlo com 200 metros certos, ou seja 16 segundos.
Por uma razão que escapa a qualquer mortal, atribuíram o tempo de passagem aos 10 primeiros e depois foi tudo corrido a 15 pontos. Entre eles o 27 que só tinha passado com 2 minutos e quatro segundos de atraso. No final e beneficiando desta benesse lá ficou em segundo…
Não posso aqui deixar de tirar o chapéu ao Zé Familiar e ao Miguel Fernandes que fizeram o segundo tempo neste troço, com 7 segundos de penalização.
Bom, vamos para o troço 25 e a tal figura polémica que nos fazia sair da estrada principal e voltar. Como não era nada pacífica e dava origem a dúvidas, nós e penso que quase toda a gente, menos os locais é evidente que conhecerão a figura seguinte, andou aos papéis. Nós e o Cuni (que por essa via desceu do primeiro lugar destacado para o terceiro), fomos dos que mais perdemos tempo, inclusive porque voltámos para trás. Conclusão 64 segundos perdidos no controlo que estava um pouco mais abaixo. Connosco, mais 35 concorrentes perderam mais de quinze segundos. Aqui já não foi utilizada a regra que valeu para os controlos anteriores e cada um ficou com as suas penalizações. Interpretações largas que não consigo aceitar muito bem. Com o ir e vir para trás e o cortar tudo que era estrada ficámos a marcar um bocado demais e, apesar de descontarmos 200 metros, no controlo que estava no final passámos com 15 segundos de avanço que temos de aceitar, sem dúvidas.
Para o último dia estavam reservadas mais umas surpresas, desagradáveis, pela organização.
Os troços citadinos, chamemos-lhe assim, apesar de serem muito curtos não tinham cronometragem à partida. Ou seja a organização partia do princípio, errado, que toda a gente saía à sua hora ideal. Quem sabia que não estavam cronometradores no início, partia à hora que dava mais jeito, garantindo que perdiam menos tempo (já que os troços eram impossíveis de cumprir), e assim obtiveram melhores resultados que os “totós”. Para além disso, no primeiro slalom a organização mediu menos 100 metros e não avisou os concorrentes que tinha tirado também os segundos correspondentes no tempo de referência. Está mal!
No circuito de terra, onde era preciso dar duas voltas, ninguém controlava essa exigência, o que resultou em haver concorrentes que só deram uma e viram validado como bom o tempo efectuado!
As entradas “madrugadoras” resultaram que, no slalom de terra o terceiro classificado foi uma Dyane e o segundo, que eu vi com estes olhinhos, porque partia à nossa frente, saiu para aí com uns 20 segundos de avanço. Estranho!
Estes eram os troços que não se cumpria o tempo dado pela organização. Porque naquele que era possível de cumprir, e com avanço, o Tramo Urbano, tinha um senhor com uma bandeira que nos mandava seguir. Ao Zé Familiar/Miguel Fernandes até lhes disseram que era por segurança que tinham que arrancar. Mesmo quem fez tempo no final para cumprir o percurso no segundo certo apanhou com a penalização de ter arrancado antes do tempo! Incrível.
Com tudo isto, parece-me que está mais ou menos retratado o que foi a realização do Costa Brava 2007. E a razão pela qual já muitos dos portugueses disseram que não voltam. Por nós, também será muito difícil apanhar-nos, ainda que, como escrevi ao princípio, este é um rali que tem todas as condições para querermos voltar com muita força.
De qualquer forma, o Rallystone (Bilbao) fica à espreita no nosso calendário. O organizador, Nacho Rozas, é simpático, parecem empenhados em fazer uma boa prova e também tem estradas como deve ser e tem troços de terra, com bom piso, segundo dizem. A estudar para o ano. Agora, o que interessa é a Classic Cup.